26 de março de 2007

"Não é maravilhoso como nunca nos recuperamos?"



Thom Pain – Baseado em Nada, foi um dos finalistas do Prêmio Pulitzer de 2005. Trata-se de uma peça em que um homem comum reflete sobre a infância, desejos, decepções e perda, catalogando as eternas agonias da condição humana. Lady Grey – Em Luz Cada Vez Mais Baixa, o outro monólogo deste espetáculo, é, também, o outro lado do primeiro texto. Nele uma atriz tenta preencher o vazio para, eventualmente, conseguir viver. Como em um exercício de “mostre-e-conte”, ela tentará mostrar ao público algo que a faça reencontrar-se depois do abandono.

Esta era desde o início um desafio. Por ser um drama, no meio de tantas comédias e de tantos outros gêneros que misturam música, dança e circo, por isso, todas promessas de risos e leveza. Por serem dois monólogos, primeiro do Thom Pain e depois da Lady Grey, divididos por um intervalo anunciado anteriormente, e ter duas horas previstas de duração.

Na verdade, na verdade, deve ter passado de duas horas, mãs, não podemos afirmar com certeza já que eu e Kerol, com toda a dor no coração e uma culpa dilacerante que tentamos expiar no caminho até o Café do Teatro, saímos exatamente no intervalo da peça. Também para evitar a angústia crescente de presenciar as pessoas levantando e saindo no meio da peça. Porque essa parte foi realmente péssima.

Não é da minha natureza iniciar as coisas sem terminá-las ou desistir no meio do caminho, por mais razões que haja, daí que ainda que não esteja muito agradada da cousa eu sempre acompanho até o fim. Mas tendo ouvido boatos de que a melhor parte era a do Thom Pain e tendo sido esta já bastante cansativa, não houve maneira.

Mas o texto é muito bom, de Will Eno, dramaturgo americano tido como descendente de Samuel Beckett e Edward Albee, e Guilherme Weber está excelente no papel de Thom Pain, tendo um domínio de palco invejável, infelizmente desfavorecido pela impaciência de todos com o tempo de duração do monólogo. Quanto à Lady e à atriz que a interpretou não posso opinar, já que como disse, não ficamos pra conferir.

Thom Pain inicia a peça no escuro acendendo um isqueiro na frente do próprio rosto e perguntando à platéia: “Vocês precisam me ver pra me ouvir?” Pergunta-nos qual o significado de “medo”, para o que apresenta várias respostas num jogo do tipo “assinale a correta”, conta estórias de um menino, sugere que se fale de amor, conta a história de uma mulher, fala da vida moderna e de violência, ironiza o tempo todo dizendo que somos todos muito pacientes, por ficarmos o ouvindo falar, “eu no lugar de vocês estaria com sono, fome, calor, aproveitaria esse tempo para fazer outras coisas” - momento very dangerous este -, e faz o seguinte comentário ao acompanhar com o olhar o primeiro de tantos que se levantou no começo da peça e saiu:

“Eu sou como ele. As pessoas me percebem como alguém que acabou de sair.”

Se a idéia da peça era a de que o público, de uma forma ou de outra, se sentisse refletido nas palavras e no sentimento do personagem, servindo-se do Thom para dizer ou reconhecer o que sente, pode-se dizer que o intuito se realizou, ou, de que se realiza com certo sucesso, porque, querendo ou não, somos todos jogados na posição de interlocutores passivos, como li numa crítica por aí, e desta posição não escapamos, ainda que um tanto desconfiados com a identificação, embora privilegiados por podermos esconder isso.

A mágica do teatro.

Como afirmaria Thom, com boa dose de cinismo: “Vocês não precisam de mim pra dizer o que vocês sentem, afinal.”

2 comentários:

CAROLINA disse...

Ai ai Merilú, que me atravessa a garganta até agora este nosso rompante de super espontaneidade de sair no intervalo.

Definitivamente não somos pessoas super cool e desencanadas com a vida, que mesmo diante de tamanho tédio, ainda ficamos com aquela idéia de "será?". Saco saco.

Mãs, lesse as críticas né, e realmente diz que a parte da Lady Grey não manteve o mesmo nível do querido Thom. Tiro o chapéu para o Guilhermino, visse. Pessoa esta que nasceu para o teatro, muito mais que para a televisão, por sinal. Tanto que agora o imagino no lugar dos outros atores nas peças em que a gente está assistindo depois dessa, e - quase - sempre chego à conclusão de que ele daria um baaanho e que a história ficaria tão mais convincente.

E realmente, a parte de ver as pessoas tão mal educadas saindo em pleno meio da peça, sendo a saída logo na frente do palco ainda, é deveras angustiante. 90% da decisão de abandonar o barco no intervalo foi pra nos poupar desse nervoso todo, com direito a frios na barriga a cada um que ia saindo. Jisuis.

E Merilú, que belezura de texto. Decorasse umas falas tão lindas aí, um orguuulho! Tentarei fazer o mesmo, mas já saio em desvantagem, que comparar nossas memórias é covardia. Hahahaha.

Anônimo disse...

Tem horas que eu queria ser curitibano. Esta é uma delas. Mas, por outro lado, té parece que com uma cria recém saída do bucho pra lamber eu ia ter disponibilidade de ir ao teatro, nem que fosse pra sair no meio...