24 de fevereiro de 2008

Machu Picchu vista de Wayna Picchu

"E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"
Eduardo Galeano, em O Livro dos Abraços

Andei por uma cidade invisível, encoberta pelas nuvens andinas 8 horas da manhã; andei por uma cidade de pedras e degraus, descidas, subidas e fôlegos profundos; andei por uma cidade sem igrejas, a única livre do pecado dos deuses e dos homens, que escondida entre a constante neblina passou sem ser notada pelo desatento conquistador branco; andei por uma cidade de orquídeas e lhamas, uma cidade sagrada onde turistas se acotovelavam entre ridículos chapéus e capas de chuva coloridas; andei por uma cidade monocromática assustada com flashes de câmeras japonesas, uma cidade de templos e lendas misteriosas, de ruelas estreitas e corredores esquecidos; andei por uma cidade fantasma, uma vila em ruínas, até que finalmente deitei na grama e ali fiquei, enquanto uma lhama amiga comia raminhos verdes nos meus pés, e olhando o céu entendi como rapidamente um carneiro se converte em gato que depois em caranguejo até se dispersar no vento. E então voltei e mais uma vez andei. Andei olhando a silhueta dos morros onde um homem de nariz grande descansava sorrindo; andei com os vaga-lumes na noite descendo um caminho recortado no meio da selva peruana, cutucando o chão com um pedaço de pau como um cego, vendo vultos em formas de monstros como uma criança que inventa imagens no quarto escuro.
Quem caminha por Machupicchu, cidade encontrada, sente a urgência de ver, como se fosse preciso tirar o atraso e a poeira dessa cidade tantos anos perdida. Por isso andei esperando que brotasse na cara uma dúzia mais de olhos. Inutilmente, é claro. Os olhos, nestes casos, são grandes atrapalhos, já que Machupicchu melhor se mira com mãos, pés, ouvidos, narizes e uma alma não tão pequena.

Texto de Mari Sanchez, 2005.

Cusco

*Suspiro longo*



*Suspiro longuíssimo*


Amor sublime amoRR.

Sobre Cusco, desde sempre, só ouvi coisas boas e, ainda assim, não só consegui me surpreender positivamente como passei a fazer parte da massa de visitantes que sai por aí recomendando às pessoas de todo mundo que não passem a existência sem conhecer Cusco.

Cidadezinha européia, com direito a frio congelante, céu cinza e chuva, arquitetura antiqüíssima e cercada de História por todos os lados.



Com a grande e calorosa diferença de estar na América Latina, onde se podem reconhecer todas as nossas características sociais e humanas. Detalhe este que pode ser tão bom quanto ruim.

O guia do city tour que fizemos pela cidade bem lembrou de que Cusco é a cara bonita do Peru, atrás da qual fica bem escondida a sua pobreza. Este mesmo guia ao nos mostrar as ruínas incas em volta da cidade não deixava de destacar o quanto a dominação dos espanhóis aniquilou a cultura do seu povo em nome da religião católica, o que mais tarde foi ingenuamente e em vão justificado com um: “naquele momento, a religião não estava em boas mãos”. “Pero, la religion nunca está em buenas manos”, disse ele.

Nas cidades anteriores, a constante abordagem nas ruas e pontos turísticos de vendedores ambulantes e crianças oferecendo coisas não foi tão intensa e incômoda quanto em Cusco, onde é bem mais acentuada em razão do maior turismo, além da pobreza geral evidente. Onde quer que fôssemos surgia sempre uma leva de mulheres e crianças vestidas com roupas típicas vendendo bonequinhos, gorros, mantas, souvenirs, etc, etc, o que nos obrigava a repetir incessantemente “no, gracias”, “no, gracias”...

Porém, tática realmente eficiente, e sedutora na mesma medida, eram das crianças peruanas vestidas como bonecas que apareciam sorrindo e perguntando se não gostaríamos de sacar una foto, o que custava normalmente 2 soles.

Teve uma que carregava uma alpaca bebê enrolada numa manta colorida que elas usualmente levam nas costas. Não houve como não sucumbir...

Algumas abordagens, no entanto, eram espirituosas:

City tour? No, gracias.

Passeio pelas Islas Flotantes? Já conoci.

Copacabana? Já fuimos.

La Paz? También.

Entonces, ...massage?

...

Chegou um momento em que não ter recebido pelas ruas a oferta da “massage” começou a gerar um tipo de mágoa x baixa estima.

Outro atrativo de Cusco é a noite. A boate sensação de Cusco, onde “ustede descobre que estás vivo”, o Mama África é um lugar de astral especialmente único, onde se fala todas as línguas e se encontra gente de todo o mundo e, também, onde a oferta é igualmente farta e, no caso, bem outra - se é que vocês me entendem.





Ir embora de Cusco é de cortar o coração.

9 de fevereiro de 2008

Espetáculo da vida, parte I:

Chuquito, localidade de Puno – Peru.

Chegamos em Chuquito de micro-ônibus junto com os nativos da região, depois de um tour que incluiu um trecho de bicicleta-táxi e outro de moto- táxi. Tudo muito integrativo, digamos.

Devíamos ser os únicos turistas no lugar, já que é uma festa típica da região que acontece no primeiro dia do ano. Cheguei a sentir um certo constrangimento em não estar vestida de saia rodada, xale nas costas e com o chapeuzinho de chola na cabeça.

Na nossa concepção, é um tipo de carnaval, em que várias bandas, cada uma de uma cor, instaladas numa arquibancada ao ar livre, tocam cada uma a sua música, uma do lado da outra, o que resulta numa grande balbúrdia musical. Abaixo, ficam os integrantes de cada 'escola', fantasiados, dançando ciranda e tomando todas. Aliás, todos, sem qualquer distinção de sexo ou idade, bebem todas - outra coisa que me fez associar a festa ao nosso carnaval.

Junto à festa existia uma feira, onde se vendiam os favoritos pollo frito e chorizo, dentre outras comidas típicas.

Ao final, é feita a premiação da melhor banda.

Chances como esta, de conhecer algo que acontece num lugar cuja existência até então era de todo desconhecida e que, por um lance de sorte, estamos presentes no momento em que acontece - o que ocorre uma única vez no ano -, algo tão característico, tão próprio, tão cheio de beleza, são coisas pelas quais a gente se sente alguém realmente privilegiado na vida.

8 de fevereiro de 2008

Daí que necessito desta outra pausa, nem pra falar do carnaval, já que estranhamente a pessoa escreve um post sobre o seu ano novo quando estamos de volta do carnaval - que foi bom, muito bom, na medida do possível quando se trata de carnaval, o feriado com o poder sem igual de tornar todos os lugares terríveis – mas para espalhar a boa nova de que a Cris está com o seu blog novamente de portas abertas às pessoas de toda a parte. Talvez ela me odeie por esta publicidade, mas é que a emoçã é incontida.

Perdoa!

"É como quando o seu namorado diz que vai voltar pra ex, entende? Aquela que quase destruiu a vida dele. Que acabou o namoro e ele perdeu 20 quilos e ficou desnutrido, deprimido e descrente do amoRRR. Aí você tava passando ali com a sua carrocinha, né, porque é isso que você faz vida afora, e recolheu o sem-amor. Deu casa, comida, roupa lavada, amor, carinho, compreensão, all that etc bullshit, belo dia ele chega e te diz que a ex quer voltar. Você tinha dado um voto de confiança à humanidade, abriu sua casa, sua conchinha secreta que te protege do mundo, abriu seu coração, abriu sua vida pra pessoa entrar, enfim.

E a pessoa vai embora sem mais.

E você fica na merda."

Por essas e outras que necessito.

\o/

7 de fevereiro de 2008

O Ano Novo passamos debaixo de muita chuva e muito frio em Copacabana, na beira do Lago Titicaca.

Copacabana tinha rendido muitas expectativas por conta especialmente da Isla del Sol, lugar pelo qual me encantei desde a primeira descrição.

O passeio de um dia pela Ilha possibilita conhecer a parte norte, mais distante, onde estão as paisagens mais lindas, misturando o terreno árido e montanhoso e a água cristalina do lago, as poucas casas bastante rústicas e as mulheres em seus trajes típicos vendendo tecidos e artesanatos pelo caminho.



Lá conhecemos o Pedro, carioca queridíssimo que viajava sozinho desde a Venezuela, descendo o continente, e seu amigo Uri, um israelense de 71 anos que encarava os passeios com total disposição e jovialidade carregando por toda a parte a sua mochila deveras grande e pesada.

Se, por um lado, foram fascinantes a paisagem, a oportunidade de conhecer o lago mais alto do mundo e de confirmar as informações de ser Copacabana uma cidade povoada de gringos e jovens hippies, cheia de mercearias e lugarezinhos simpáticos, por outro lado, o mau atendimento prestado aos turistas, a precariedade dos serviços nas hospedagens, o horário precoce de fechamento dos restaurantes e bares e a escassez de comida e água (ambas acabavam depois das 22 horas) causaram uma certa decepção, inevitável até mesmo aos viajantes mais simplórios e pouco exigentes.

A esta altura, continuava eu resistindo bem aos sintomas do mal de altitude, mas, em compensação, meu intestino não funcionava, meu rosto descascava em partes e nascia uma íngua no meu pescoço. No entanto, tudo estava muito bem. Nada poderia afetar afinal alguém abençoada pelo espírito inca em ritual praticamente sacro-santo acontecido às margens do Titicaca, com direito a banho de espumante boliviano no momento dA Virada.

A benção incluía um ai-ái-ah ao final da oração, o que imagino eu servia para melhor emanar as energias positivas que hão de vigorar por todo o ano!

Ai-ái-ah para ustedes tambien!!

1 de fevereiro de 2008

Por conta dos mais de 3.800 metros de altitude que nos aguardavam em La Paz, metade dos viajantes ficaram baqueados já no aeroporto. Falta de ar, dores de cabeça, sensação de cansaço, para alguns, diarréia e náuseas.

A outra metade permaneceu firme e forte, só sucumbindo à cerveja quente e espumante que era servida nos lugares. Eu mesma senti nada não. Aliás, acabei constatando que nasci mesmo foi pra viver nas alturas que, puxando pela memória, desde criança, sintomas de mal estar físico e ‘baixura’ sempre senti foi na praia, no nível 0.

Nada, entretanto, que uns dias de adaptação, chá e folhas de coca não pudessem resolver. E dá-lhe um e outro. Coisas estas com as quais não me adaptei já que na bem dizer única vez em que tomei o chá botando fé de que ficaria preparadíssima pra subir os 100m que faltavam até o Pico de 5.400m de altitude do Chacaltaya, consegui somente uma taquicardia e precipitações gastro-intestinais. Esta parte eu não precisava contar, é verdade, mas sinto uma necessidade de mim para migo mesma de justificar o fato de não ter chegado aos 5.400m, mas somente aos 5.350.

O Chacaltaya, por sinal, foi uma das maiores atrações de La Paz, passeio espetacular, com direito a no mesmo dia calor & frio em seus extremos, pânico tanto no caminho, dentro da van, da onde não se enxergava o chão da estrada, mas somente o precipício ao lado, quanto na caminhada até o Pico, com os raios e trovões que não cessavam. E a neve que presenteou os tupiniquins tropicalientes em pleno janeiro.




Aí me pergunto, e o gosto pela aventura e perigo, surgiu quando mesmo?

La Paz é um prato cheio. A cidade mais particularmente chocante e espantosa de todo o caminho. Lembrou-me “Blade Runner” ou o recente “Filhos da Esperança”. Quando o mundo estiver perto do fim, todas as cidades parecerão La Paz. E, paradoxalmente, em La Paz há muita vida. Vida que se mantém a despeito de todas as condições desumanas, a completa ausência de preocupação ecológica, o lixo, a miséria, o caos.



Nenhuma palavra melhor define La Paz do que caos, o que se evidencia em primeiro lugar, e de forma bastante impactante, no trânsito, que funciona na base da buzina, com os carros sucateados se atravessando uns sobre os outros, e também sobre os pedestres, estes um mero detalhe no meio de tudo; na imensidão de casas sem pintura e sem reboco amontoadas encima das montanhas e no povo que parece estar todo vendendo pequenezas no meio das ruas. Não só pequenezas, mas também laranja descascada, "chorizo", “pollo” frito, carne crua, pães em pilhas e pipocas.



Em La Paz conhecemos pessoas ótimas, dentre eles os mineiros Mariana, Isabela e o João, mais conhecido como “O Paceña”, já que após as explanações dos guias, quando seria normalmente o momento das dúvidas e perguntas dos turistas, ele levantava o braço e perguntava se lá onde íamos tinha paceña, uma cerveza boliviana, pra vender.
Descobri com eles e mais outro grupo de mineiros que andavam em sete meninos e uma única menina e que encontramos em todos os lugares por onde passamos, - a menina em todas as ocasiões abanando e sorrindo para nós como que pedindo desesperadamente por uma amizade feminina - que os mineiros são as pessoas mais amáveis, sociáveis e gentis de que já se ouviu falar. E eles ainda nos diziam com o jeitinho típico minêr: “acho tão lindo o sotaque ducêis”.