25 de setembro de 2008

Não, e sabe que estou nesta coisa de mal parar no escritório pra fazer os prazos e mais prazos que se acumulam, o que força o trabalho em casa, que é coisa que abomino e tento evitar ao máximo mas que às vezes realmente não dá. E nesse ritmo intenso, o “às vezes” se torna praticamente tododia.

Que toda semana tem audiências e mais audiências. All the time. E daí eu que nem sou lá muito fã das audiências todas, acabo me irritando ainda mais porque além de ter que as fazer assim, duzentas e oitenta e cinco vezes mais do que eu gostaria, ainda fico muito mais tempo fora dos tais prazos, que não param de se acumular e causar os mais freqüentes trabalhos em casa até altas horas.

Mas ainda assim há surpresas.

Daí que se criou um feliz hiato entre as 5943085943 audiências de setembro – mês em que jurei que se não me mudasse pra China agora, nunca mais que ia – e as do começo de outubro, modos que entre dia 23/09 atéééééé 06/10, eu mesma só gerenciaria as cousas e mandaria pessoas fazer audiências, e eu mesma não faria nenhuma. Uma benção, praticamente, de poder ficar efetivamente dentro do escritório fazendo as duasmiltrezentasesessentaetrês peças processuais em pendência. Período em que, teoricamente, diminuiria o tão abominado trabalho em casa.

Teoricamente.

Porque sempre tem os clientes que ligam avisando no dia que precisam de alguém pra fazer coisas no mesmo dia.Tipo assim. Ninguém tem nada marcado nunca, e eu fico aqui lendo jornal mesmo, então essa coisa de avisar em cima da hora não tem problema nenhum, imagina. Sendo que por “coisas”, entendam outras audiências, ou reuniões, ou auditorias e afins.

Mãs, no caso de ontem, foi uma reunião. Com pessoa dos setores municipais do meio ambiente, às tais horas, por causa de multas indevidas, como todas são. Respirei fundo e ainda assim praguejei. Praguejei contra tudo e todos que me inventavam coisas não previstas pra fazer em dia de intenso labor programado e organizado. E assim, pra ontem.

No fim, imensa surpresa. Grandessíssima surpresa ao – depois de me perder, é claro – ver que o tal do setor do meio ambiente ficava, ele mesmo, em meio de enorme área verde de, acho eu, reserva ambiental. Nada mais propício, mas ainda assim surpreendente.

Porque vejam. Reuniões de órgãos públicos pra discutir a aplicação de multas a clientes são sempre em prédios cinza, em dias cinzentos, depois de congestionamentos, e de duas horas e meia de espera. É assim e pronto.

Mas que nada. Esse setor aí era no lugar mais lindo do mundo. Ou da cidade, pelo menos. Bosques para todos os lados. Construções de tijolinhos, sendo que cada bloco era praticamente um chalé. E pra chegar de bloco em bloco, era através de pontezinhas de madeira ou pedra, com um rio cheio de mini-quedas d’água que passava por todo o lugar. Sério gente. Imagina a minha cara de surpresa. Eu, de terno preto e pasta preta – que combina perfeitamente com os prédios cinza, asfalto e congestionamento – destoando da paisagem.

Fiquei tão admirada que esqueci de tirar uma foto com o celular, pra vocês terem uma idéia.

Mas achei aqui, muito mais ou menos, pra dar uma pequenissima noção do que realmente é a coisa toda.



Pra se ter noção, na hora da tal reunião, no gabinete da otoridade – cujas paredes (do gabinete, bem entendido) são inteiras de vidro, com visão pro bosque – eis que me passa um mico, todo faceiro, de árvore em árvore. Verdade verdadeira. Perdi totalmente o fio da meada do que estava sendo tratado e tive que comentar a passagem do mico, que não teve jeito. Fora uns tantos passarinhos diferentes. Coisa mais linda.

Isso que estava nublado e frio, então imagina com sol. Eu é que não ia trabalhar, isso é certo.

Na volta eu até tentei lançar a idéia de um eco-escritório, com rios, pontes e micos de galho em galho, mas não deu muito certo. Distração demais pra muito trabalho e pouco tempo.

Mãs, é algo a se pensar. Que eu trabalhando num lugar desses, certamente não estaria aqui na quinta-feira à noite tomando vinho e rezando pra acordar animada às seis e quinze pra acadimia. E rezando, mais ainda, pra dar conta do trabalho e não ter que trazer nenhuma lição de casa pro final de semana.

Estaria sim lá, paradona, ouvindo o barulhinho tão agradável das quedas d'água, procurando ver um mico ou um beija-flor, quem sabe. Que depois dessa, tudo é possível.

Aqueles dois.

Que já era pra eu ter feito a propaganda aqui há muito mais tempo, mas sacumé. Nem começarei a falar das correrias todas que isso já encheu o saco, eu sei. Mas ainda dá tempo, muita fé.

Pois então, foi essa A peça do Festival de Teatro deste ano. Aquele que a gente nem falou sobre em momento algum nessa vida, quando na verdade março era pra ser sempre o mês mais ilustrado e comentado por aqui pelas bandas do blog.

A melhor peça deste ano, sem dúvidas.

Em meio a várias medianas, que vou te contar. Esse ano foi meio morno, pelo que me lembro. Talvez me faltem as emoções todas do momento, caso eu fosse falar logo depois de ter visto as cousas, mas ainda assim acho que foi meio meio.

A Companhia é mineira, o que nos lembra de várias outras peças igualmente boas vindas de lá. Mais uma anotação no caderninho, ao lado de Campinas: Minas Gerais = bom.

Mas então, Luna Lunera, a Companhia. E texto de quem, quem? Caio Fernando Abreu.

Uma das adaptações mais fiéis de texto para o palco, atrevo-me a dizer cá em minha ignorância. Quatro atores se revezando em dois papéis, todos misturados e todos ao mesmo tempo agora, ora narrando, ora interpretando e assim vai. Um cenário com vários objetos que acabavam sendo usados para ambientar lugares e situações bem diversas. Livros, discos, televisão, cigarro e café.

A gente teve a sorte de ter sido no Paiol, que eu acho que caiu como uma luva pra disposição do cenário e dos atores. Como que se aproximasse mais, entrelaçasse mais, integração total com o público.

O conto está inteiro aqui, como sempre. Daí acho eu que nem preciso entrar muito no que seria a história, propriamente. E é de bom grado ler antes, como sempre. Até pra reparar quão boa é a adaptação, coisa de louco.

Confesso que, no meu preconceito adquirido ao longo de tantos festivais, fiquei deveras cabreira com a expressão corporal toda dos quatro homens que se encostavam, dançavam, coreografavam e interagiam assim, intimamente, antes do começo da peça. Ainda mais que estava eu com Merilú logo ali na primeira fileira, que na verdade era pra ser a segunda – boa visão, mas estratégica para esconder possíveis fiascos –, mas como a A era usada também pro material do cenário, a B virou A e lá ficamos nós assim, tão expostas.

Mas que nada. Lindo o texto, linda a peça. Excelente trabalho e muito bom de ser visto. Isso que fomos lá numa terça (ou seria quarta) de intenso trabalho e muita vontade de ficar em casa. Ou seja, até Moniquinha Salmaso – e não me orgulho disso – já foi alvo de bocejos em situações assim. E a peça não, em nenhum momento. O tempo passa daquele jeito bom que devia ser sempre.

Com o perigo de estragar uma surpresa na peça – então não leia as próximas linhas se quiser ver a apresentação antes sem saber de nada – até a cena de nudez é bem colocada. E olhe que nudez é outro dos meus tantos preconceitos e pés-atrás teatrais, que pra mim é dificílimo não ficar agressivo, muito pudica que sou. E quase sempre desnecessário. Mas nesta peça em específico foi até suave, se é que isso existe.

Então vão lá, que dá tempo. Sexta, sábado (a las nueve) e domingo (a las siete). Ótemo programa, altamente recomendável. E barato né, vá lá. Pelo que diz o folder, dérreal a inteira e cincão a meia. Pelamor, mais barato que o Festival e mais barato do que qualquer outra coisa do nível.

“Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra”.

4 de setembro de 2008

Mas sabe que ontem coincidentemente eu assisti aquela belezura de filme, com a mocinha Jennifer esposa (ou seria ex, que eu nunca sei) do mocinho Ben Afleck. Justamente sobre o quê, o quê?? Os TRIIINTA. Muito bem.

Sério, nunca tinha visto e nem imaginava que era, só parei pra ver porque tinha lá uma cena de festinha de porão aos anos oitenta e no fim era o tal do filme dos TRINTA.

Daí apesar da aguice com açúcar toda e do fato de como as pessoas que desejam ser grandes e realizam seus pedidos terem sempre profissões que se adaptam facilmente a qualquer idade da infância querida – ninguém é médico, contador, manobrista –, foi ali o ponto inicial das reflexões todas. Daquela coisa de como a escolha mais simples pode mudar a história da vida da pessoa por completo.

Imagina. Que eu moro aqui de um lado da cidade e acabei indo parar em uma escola láááá do outro lado do mundo para mim, por causa de uma bolsa que mamã recebeu enquanto funcionária pública de outrora. E era uma lista com três escolas, e no fim foi naquela que eu acabei. Mas SE não tivesse sido, repare. Provavelmente nunca que conheceria Merilú, já que foi no fatídico primário que tudo se iniciou. Imagiiiina,. E nem Anna e nem Juju. Daí veja que Juju não conheceria Thiaguito, amigo de faculdade de Merilú, e nem estariam de casório marcado para o final do ano. E nem Anna namoraria André que me apresentaria o amigo Daniel, com quem não estaria eu casada, convivida e amasiada. Isso sem contar que Merilú nunca conheceria nem teria trabalhado com Ferdinanda, que por sua vez foi minha amiga de faculdade, e nem Ferdinanda conheceria Rafael, que foi amigo de faculdade de Merilú. E nem Ferdinanda teria morado com Day, que foi amiga de segundo grau da minha irmã.
Ou não.

Que pode ser que todo mundo se conhecesse de alguma outra maneira né, que Curitiba é um cú mesmo e nunca se sabe.

Mas, ao que tudo indica, todo um universo paralelo se instalaria e o mundo estaria perdido. Que ESTA verdade real tal qual conhecemos é a ordem das coisas e nunca outra. Esta é a melhor de todas, o final feliz dos filmes, o certo.

Isso se eu tivesse ido pra alguma das outras duas escolas lá, em 1984.

Agora imagine se seu Cosme inventa de ficar no Rio de Janeiro e não conhece Dona Edith aqui na terrinha? Por onde não andaria yo. E assim nas respectivas famílias de cada um desses que se cruzaram pela vida. Coisa de louco. Sinal de sandice, acho.

Que eu mesma não sei bem onde isso termina.

Mas ufa que tudo são ‘se’s.

Dos TRINTA

Porque os TRINTA não passam batidos nem que a gente tente. Com todo o poder de abstração – não que seja o caso –, ainda assim é impossível se esquecer dos TRINTA. Você pode até tentar fingir que não é com você, que imagina, você é tão maior que essas coisas de idade, sabe como.

Mas não.

Os TRINTA estão aí e chegam, para todos.

E quando se vê, se está inconscientemente fazendo aqueles milhões de reflexões por minuto, de como a vida anda tão rápido e de como você achava que isso ou aquilo já iria ter acontecido aos TRINTA, e de como as perspectivas mudam radicalmente a cada ano – imagine pensando em décadas, então – e de como as reflexões de tempos atrás já não se aplicam mais.

Mais do que tudo, essas mudanças de perspectivas.

Que quando na infância doirada, nos tempos de rosada rebenta, como bem diria Thiaguito, eu mesma sempre colocava nas brincadeiras de contagem de anos e eventos que se sucederiam na vida, os 22 anos como uma ótima idade para casar. E com o apoio de dona Edith, que bem lembro, que concordava e endossava do quão boa a idade dos 22 era boa para o evento casadoiro. Mas naquela época minha profissão seria paleontóloga ou cantora, então as coisas realmente não regulavam, nem sob a mais complacente das perspectivas.

Mesmo mais tarde, nas épocas tensas de vestibular, os TRINTA eram sinônimo de estabilidade, conforto e conquistas materiais todas devidamente satisfeitas, quem sabe até com prole criada. Não, acho que nem tanto. Não especificadamente os TRINTA, já que aos dezessete não se pensa – ou não era só comigo – exatamente no que cada idade representaria e nem em chegar os TRINTA mais precisamente. Mas quem tinha TRINTA era gente adulta, senhôures e senhôuras, tenho quase certeza. Que a memória, que já era fraca, me falha por completo neste momento.

Mal sabia eu que sairia da faculdade com 22 – aqueeela idade lá, boa que só pra se casar –, com diploma e carteirinha, sem experiência nenhuma nessa vida, nem noção da gravidade de nada, e levaria este choque imenso sobre o que é realmente ser responsável pela vida dos outros, ou pelo menos pelo patrimônio alheio. Que é uma responsabilidade. Te contar. A gente acostuma, como tudo nessa vida, e acaba meio que sem perceber minimizando a preocupação constante com o tamanho da coisa, porque senão também não se trabalha. O tal do distanciamento necessário. Mas ainda assim é grande, a gente é que prefere não lembrar. Senão certamente nem aos TRINTA chegaria.

Daí que, cá estou eu, essa gente adulta. Sem a estabilidade imaginada, sem nem um décimo das tais conquistas materiais, preocupada que só com tudo e com todos nessa vida, trabalhando até não poder mais.

E se começa a perceber o tamanho do amadurecimento dos vinte aos TRINTA. Sem brincadeira, verdade verdadeira. A noção de tudo melhora, as percepções todas, a visão crítica, digamos, de toda a informação que se absorve o tempo inteiro. E principalmente a noção do quanto ainda se tem a amadurecer.

E isso é bom, muito bom. Sinceramente bom. Conscientemente bom.

Pero sin perder la ternura, é claro.

Que ao mesmo tempo se pensa no ritmo que se consegue manter, nas coisas a conhecer, no companheiro extraordinário que se tem, nos amigos tidos e mantidos e que seguem exatamente este mesmo ritmo, como que por simetria. Automática, espontânea e confortante simetria, que só se consegue assim, quando se está nos TRINTA, ou perto.

E nas possibilidades todas que se enxerga agora um pouco mais do alto, e os zilhões de oportunidades, da consciência da capacidade de ação, e no quanto ainda se vai aprender. Tomada e inundada, eu diria, pelas possibilidades, é o sentimento do dia. Com sorte, de todos os TRINTAs.

E até uma nostalgia antecipada, que algo me diz que vai ser a época melhor de se lembrar depois. A vida promete.