29 de novembro de 2009

Depois de um final de semana chuvoso, eis que agora, aos quarenta e quatro do segundo tempo, faz um domingo de sol, muito sol.

E tentando muito muito fugir do monotema do cansaço extremo e do trabalho que suga as poucas energias que se tem. E só se consegue poupá-las um pouco deixando de fazer a lição de casa que tinha que se feita, mãs. Compensa pra descansar, mas já já pago com juros com a ansiedade do cão que vem junto com a noite do domingo, e com a musiquinha do Fantástico.

Sei que o Inter aqui jogando e o digníssimo perdendo a paciência. É um que tem que perder, outro não pode ganhar e outro que também não pode de jeito nenhum. E ele que tem que ganhar. E tudo isso ao mesmo tempo agora. Apesar do nó na cabeça das milequinhentas mudanças de canal, ainda assim é melhor, que não fica essa coisa de futebol o dia inteiro sem parar. Não que eu não goste, mas quando se descobre que é possível ver futebol todo santo dia da semana nos mais diversos continentes deste nosso mundo, sem contar o diacho do winning eleven, vai-se pegando um pouco de birra. Um pouco só. Da cor verde e de barulho de torcida. Síncopes.

Esta é a vista neste exato momento. Que ilustrar sempre é bom, todo um contexto.



De vez em quando a gente fica invisível. Faz e acontece e ninguém percebe. Fato este especialmente notório quando em jogo do Inter, de verdade. O que não é ruim, não mesmo. Muito interessante, diria.

Na tevê, chove no jogo do Atlético, que é aqui em Curitiba. Aqui, tão perto, ainda não. Mas já vai.

28 de novembro de 2009

Hermann Hesse, amigo.

“Assim como agora me visto e saio, vou visitar o professor e troco com ele algumas frases amáveis, mais ou menos falsas, tudo isso contra a minha vontade, assim procede a maioria dos homens que vivem e negociam todos os dias, todas as horas, forçadamente e sem na realidade querê-lo; fazem visitas, mantêm conversações, sentam-se durante horas inteiras em seus escritórios e fábricas, tudo à força, mecanicamente, sem vontade; tudo poderia ser realizado com a mesma perfeição por máquinas ou não se realizar; e essa mecânica eternamente continuada é o que lhes impede, assim como a mim, de exercer a crítica de sua própria vida, reconhecer e sentir sua estupidez e superficialidade, sua desesperada tristeza e solidão. E tem razão, muitíssima razão, os homens que assim vivem, que se divertem com seus brinquedinhos, que correm atrás de seus assuntos, em vez de se oporem à mecânica aflitiva e olharem desesperados o vazio, como faço eu, homem marginalizado que sou. Se às vezes desprezo e até me burlo dos homens nestas páginas, não será por isso que os culpe de minha indigência pessoal! Mas eu, que cheguei tão longe e estou à margem da vida, de onde se tomba à escuridão sem fundo, cometo uma injustiça e minto, se pretendo enganar-me e enganar os outros, como se funcionasse também para mim àquela mecânica, como se continuasse a pertencer àquele mundo nobre e infantil do eterno jogo!”

(O Lobo da Estepe.)

20 de novembro de 2009

O do Rubem querido, que ficou faltando.

A ansiedade é o buraco deixado pelo desejo esquecido, o buraco de um coração que não mais existe: grito desesperado pedindo que o desejo e o coração voltem, para que se possa de novo gozar a beleza da copa do ipê contra o céu azul. Tão terrível é esse vazio que vários rituais foram criados para exorcizar os demônios que moram nele. Um deles é a minha agenda – e a agenda de todo mundo. Quando a ansiedade chega, basta ler as ordens que estão escritas, o buraco se enche de comandos, e se fica com a ilusão de que tudo está bem. E não é por isso que se trabalha tanto – da vassoura das donas de casa à bolsa de valores dos empresários? São todos iguais: lutam contra o mesmo medo do vazio.
“E vós, para em a vida é trabalho e inquietação furiosos – não estais por demais cansados de viver? Não estais prontos para a pregação da morte? Todos vós para que o trabalho furioso é coisa querida – e também tudo o que seja rápido, novo e diferente – vós achais por demais pesado suportar a vós mesmos; vossa atividade é uma fuga, um desejo de vos esquecerdes de vós mesmos. Não tendes contudo suficiente em vós mesmos para esperar – e nem mesmo para o ócio” (Nietzsche).
Por isso ligamos as televisões, para encher o vazio; por isso passamos os domingos lendo os jornais (mesmo quanto nossos filhos brincam no balanço do parquinho), para encher o vazio; por isso não suportamos a idéia de um fim de semana ocioso, sem fazer nada (já na segunda-feira se pergunta: “E no próximo fim de semana, que é que vamos fazer?”); por isso até a praia se enche de atividade frenética, pois temos medo dos pensamentos que poderiam nos visitar na calma contemplação da eternidade do mar, que não se cansa nunca de fazer a mesma coisa.
Certos estão os taoístas: a felicidade suprema é o Wu-Wein, fazer nada. Porque só podem se entregar Às delícias da contemplação aqueles que fizeram as pazes com a vida e não se esqueceram dos próprios desejos.


Esse é d’As melhores crônicas de Rubem Alves, da Editora Papirus.

No final das contas não tinha assim tão a ver com o que eu ia dizendo, mas é sempre bom.

E não devo mais nada também.

Já que o tempo passou

E provavelmente ninguém mais se aprochega a este espaço perdido entre tantos outros milhares de novos espaços surgidos de lá pra cá, peço licença para um diálogo público com a capanheira Mariana, amiga de todas as horas e co-proprietária desta bodega.

Merilú, que fazer.

Que depois de muito mais de seis meses sem nem abrir a coitada desta página, e depois da idéia de bar de de repente inaugurar outra página para mudar de ares e ver se a coisa re-engrena (que eu nunca deixarei de usar hífen e trema), agora que cá vim, tenho eu as minhas dúvidas.

Que a gente se apega aos filhos, né mesmo?

E lendo as escritas de outrora, concordo contigo em tudo: ó, a espontaneidade. E pergunto aqui logo em seguida: para onde diabos ela foi?

Eu mesma nem reconheço a capacidade e a criatividade dos textos escritos, lá no falecido outro blog. Mesmo nas épocas róseas, a coisa ia ao menos livremente, sem pensar e sem precisar ter tempo.

Agora não se tem tempo, não se cria tempo, e no pouquíssimo que se tem, as coisas não fluem. Não se tem idéias, nada vem e só se quer descansar. Descansar do trabalho, dos prazos, dos clientes, do trânsito e da semana que se vai com uma rapidez desesperadora. De ligar a televisão, pois nem pro silêncio se tem mais paciência. Sobre isso tem alguma coisa num texto do Rubem Alves, que eu estou lendo, mas não está aqui. Fico devendo.

E daí que a gente perde o fio da meada, de tanto desacostume.

Mas o facto é que não escrevemos, Márê. E precisamos. Que bem lembro que as coisas eram mais leves dantes. E pode ser, não se sabe, que tenha alguma coisa a ver com isso, de escrever. E com todo o desprendimento que vinha com a escrita. E da falta de compromisso com qualquer coisa ou pessoa. Até nomes completos, lugares e profissões a gente, muito desavisadamente, deixava ali, para quem quisesse ver ou pesquisar. Não precisamos ir tão longe na regressão, que bem sabemos que a responsabilidade está aqui e não se pode fugir tanto.

E daí, voltamos?

Vamos ou ficamos?

Esse lugar ainda dá um caldo?

Pois começo a achar que sim.

Ou não.

Que bem podemos ir pra outro lugar e começar tudo de novo em novos ares.

Ou recomeçamos de onde paramos?

De qualquer maneira, recomeçar é preciso.

Que achas?

4 de novembro de 2009


“Quando um óvulo é fecundado por um espermatozóide, ele logo começa a se dividir. A primeira célula vira duas, essas duas viram quatro, as quatro viram oito e por aí vai. Até atingir o número aproximado de trinta e duas, o que leva uns três ou quatro dias, essas células são chamadas de células-tronco totipotentes. Isso significa que cada uma delas é um ser humano em potencial. Podem desdobrar-se não apenas em qualquer tecido do corpo, mas também na placenta e em outras estruturas extra-embrionárias essenciais para o desenvolvimento do feto no útero. Depois as células começam a se especializar. Surgem as pluripotentes, que podem se transformar em qualquer tecido, e as multipotentes, que podem se diferenciar nas células de determinado tecido ou órgão. As células ganham empregos e adultas. Apesar de ainda guardar a informação genética completa, elas esquecem de como usá-la. Sofrem lavagem cerebral para ser apenas fígado, neurônio ou glândula pituitária. Tem todas as pecinhas, mas só uma página do manual de montagem. No entanto, está tudo ali, adormecido. Esse potencial de ser qualquer coisa. A visão do todo necessária para gerar um novo ser. Comecei a me informar obsessivamente sobre essas coisas ainda em São Paulo, ainda com Danilo, mas só agora, enfim grávida, afundando as botas na neve por uma trilha que me levaria ao cume de uma montanha, me ocorria que devia haver um paralelo entre as vicissitudes do embrião e a angústia humana de ter de se contentar com a limitação do que somos. Como se o corpo e a mente carregassem do nascimento à morte a nostalgia daquela totipotência. Simplesmente não nos conformamos. Ninguém nos ouviu. Não fomos consultados pelas forças que nos deram forma e nos reduziram a algo tão menor e mais específico do que...do quê? Não sabemos, nunca recordaremos por completo, mas não importa, porque o intuímos em toda a sua imensidão. Montanhas e oceanos nos fazem pensar nesse tipo de coisa.”

Galera, Daniel. “Cordilheira”.