4 de novembro de 2009


“Quando um óvulo é fecundado por um espermatozóide, ele logo começa a se dividir. A primeira célula vira duas, essas duas viram quatro, as quatro viram oito e por aí vai. Até atingir o número aproximado de trinta e duas, o que leva uns três ou quatro dias, essas células são chamadas de células-tronco totipotentes. Isso significa que cada uma delas é um ser humano em potencial. Podem desdobrar-se não apenas em qualquer tecido do corpo, mas também na placenta e em outras estruturas extra-embrionárias essenciais para o desenvolvimento do feto no útero. Depois as células começam a se especializar. Surgem as pluripotentes, que podem se transformar em qualquer tecido, e as multipotentes, que podem se diferenciar nas células de determinado tecido ou órgão. As células ganham empregos e adultas. Apesar de ainda guardar a informação genética completa, elas esquecem de como usá-la. Sofrem lavagem cerebral para ser apenas fígado, neurônio ou glândula pituitária. Tem todas as pecinhas, mas só uma página do manual de montagem. No entanto, está tudo ali, adormecido. Esse potencial de ser qualquer coisa. A visão do todo necessária para gerar um novo ser. Comecei a me informar obsessivamente sobre essas coisas ainda em São Paulo, ainda com Danilo, mas só agora, enfim grávida, afundando as botas na neve por uma trilha que me levaria ao cume de uma montanha, me ocorria que devia haver um paralelo entre as vicissitudes do embrião e a angústia humana de ter de se contentar com a limitação do que somos. Como se o corpo e a mente carregassem do nascimento à morte a nostalgia daquela totipotência. Simplesmente não nos conformamos. Ninguém nos ouviu. Não fomos consultados pelas forças que nos deram forma e nos reduziram a algo tão menor e mais específico do que...do quê? Não sabemos, nunca recordaremos por completo, mas não importa, porque o intuímos em toda a sua imensidão. Montanhas e oceanos nos fazem pensar nesse tipo de coisa.”

Galera, Daniel. “Cordilheira”.

Um comentário:

CAROLINA disse...

Noussa.

(...)

Enfim.