20 de novembro de 2009

O do Rubem querido, que ficou faltando.

A ansiedade é o buraco deixado pelo desejo esquecido, o buraco de um coração que não mais existe: grito desesperado pedindo que o desejo e o coração voltem, para que se possa de novo gozar a beleza da copa do ipê contra o céu azul. Tão terrível é esse vazio que vários rituais foram criados para exorcizar os demônios que moram nele. Um deles é a minha agenda – e a agenda de todo mundo. Quando a ansiedade chega, basta ler as ordens que estão escritas, o buraco se enche de comandos, e se fica com a ilusão de que tudo está bem. E não é por isso que se trabalha tanto – da vassoura das donas de casa à bolsa de valores dos empresários? São todos iguais: lutam contra o mesmo medo do vazio.
“E vós, para em a vida é trabalho e inquietação furiosos – não estais por demais cansados de viver? Não estais prontos para a pregação da morte? Todos vós para que o trabalho furioso é coisa querida – e também tudo o que seja rápido, novo e diferente – vós achais por demais pesado suportar a vós mesmos; vossa atividade é uma fuga, um desejo de vos esquecerdes de vós mesmos. Não tendes contudo suficiente em vós mesmos para esperar – e nem mesmo para o ócio” (Nietzsche).
Por isso ligamos as televisões, para encher o vazio; por isso passamos os domingos lendo os jornais (mesmo quanto nossos filhos brincam no balanço do parquinho), para encher o vazio; por isso não suportamos a idéia de um fim de semana ocioso, sem fazer nada (já na segunda-feira se pergunta: “E no próximo fim de semana, que é que vamos fazer?”); por isso até a praia se enche de atividade frenética, pois temos medo dos pensamentos que poderiam nos visitar na calma contemplação da eternidade do mar, que não se cansa nunca de fazer a mesma coisa.
Certos estão os taoístas: a felicidade suprema é o Wu-Wein, fazer nada. Porque só podem se entregar Às delícias da contemplação aqueles que fizeram as pazes com a vida e não se esqueceram dos próprios desejos.


Esse é d’As melhores crônicas de Rubem Alves, da Editora Papirus.

No final das contas não tinha assim tão a ver com o que eu ia dizendo, mas é sempre bom.

E não devo mais nada também.

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